Publicidade será quão diferente em dez anos?
Quão diferente será a publicidade em dez anos? “Se eu soubesse a resposta, eu não estaria aqui sentado com você, estaria na praia de Copacabana.” Bem, Martin Sorrell estava quase lá. Copacabana se espalhava diante dele quando deu a resposta acima, na quinta-feira (4).
Seria difícil achar alguém mais gabaritado para falar sobre o futuro do setor. Sorrell, 71, é a pessoa mais poderosa da publicidade mundial. Ele é o fundador e principal executivo da WPP, o maior grupo do setor, um conglomerado de agências que faturou US$ 27 bilhões (R$ 86 bilhões) no ano passado.
Do alto de sua posição, faz críticas e elogios a diferentes empresas com as quais suas empresas se relacionam, entre elas Google e Facebook, aos quais a WPP destinou US$ 5 bilhões em 2015.
Sorrell é também uma das pessoas que mais ganham dinheiro no mundo. No ano passado, recebeu US$ 103 milhões (R$ 328 milhões), o que provocou revolta em parte dos acionistas. O ganho o coloca entre os cinco primeiros executivos, a depender da lista. Entre os artistas, apenas Katy Perry individualmente o supera. Dos atletas, ninguém.
Ele veio ao Brasil por causa dos Jogos no Rio –tem sido uma espécie de conselheiro informal do Comitê Olímpico Internacional.
Folha – Quão errado foi não cobrar pelo conteúdo digital?
Martin Sorrell – Esse foi o problema fundamental. Em 1993 ou 1994 eu fui à Escócia, a Glasgow, e havia o editor do “Herald”. Falamos já naquela época sobre paywalls [sistemas de cobrança pelo conteúdo digital]. Ele disse: nós vamos sempre cobrar. Perguntei: por quê? Ele disse: se mandamos o “Herald” por banana boat para a Argentina, as pessoas pagam por isso.
Então acredito que isso seja a chave. Dar [o conteúdo] é loucura. A partir do momento em que você o entrega de graça, é muito difícil reverter. Mas a partir do momento em que você começa cobrando pode sempre flexibilizar, se quiser. Penso que os paywalls são cruciais.
O sr. acredita que a publicidade voltará a ser a principal fonte de financiamento do jornalismo profissional?
A resposta honesta é: eu não sei. Minha impressão, se você considera o Reino Unido neste momento, é que é uma situação muito difícil. Nos seis primeiros meses do ano, a circulação de jornais e revistas caiu 5%, em média, incluindo o on-line. E a publicidade caiu 15%. Então algo está acontecendo, e eu não sei o que é. Os jornais tradicionais estão sob pressão de verdade.
Penso que estamos num ponto de virada, mas isso foi tão longe que os jornais tradicionais oferecem um bom valor [aos anunciantes]. Você conhece Mary Meeker, sócia da Perkins, uma empresa de venture capital? Ela produz um relatório sobre a internet. Um dos slides dela compara o tempo gasto pelos consumidores nos EUA [com mídia] com o investimento feito pelo mercado publicitário em cada mídia.
Dois ou três anos atrás, pela primeira vez, viu-se uma diferença significativa entre o tempo gasto em jornais tradicionais, que agora caiu para cerca de 5%, e o investimento feito pelo mercado publicitário [nessa mídia], que ainda está em torno de 16%. O rádio está mais ou menos equilibrado. A TV tradicional, pela primeira vez mostrou uma diferença. Creio que era 36% do tempo gasto e 39% do investimento.
E então você tem a internet, com 24% do tempo gasto e 24% do investimento, e mobile, que tem 29% do tempo gasto e apenas 8% do investimento. A grande mudança basicamente é dos jornais no formato antigo, impressos, para o mobile, com um ponto de interrogação em cima das TVs.
Como o sr. responderia a essa interrogação?
Ela é muito importante para a Globo e para a Record aqui. Acho que haverá pressão crescente sobre as TVs abertas, mas não na extensão com que temos visto com os jornais. Na verdade, jornais são diferentes de revistas. As mulheres gostam mais de ler revistas.
Outra coisa para lembrar: a coisa com os jornais está sendo exagerada. Você pega as estatísticas britânicas: queda de 5% na circulação e de 15% no faturamento não faz nenhum sentido. Recebo telefonemas dizendo: Martin, você está falando do tempo gasto, mas o ponto não é esse, e sim engajamento. Sabemos por exemplo que um leitor médio do jornal “The Times” no Reino Unido vai gastar 40 minutos com ele. A qualidade desse engajamento é maior.
No Facebook, são três segundos: um, dois, três –e durante metade desse tempo o som está desligado, é um fato. Então como você pode comparar três segundos no Facebook, e isso é uma visualização, com 15 segundos, 30 segundos, um minuto de anúncio na TV, onde a dificuldade de medição é muito maior? Nós somos donos do Ibope. Medimos TV no Brasil, on-line e offline, e fazemos isso na América Latina, em 52 países pelo mundo. Fazemos agora nos EUA porque temos 20% da Comscore. Nós acreditamos que o sistema de medição está errado. Ele inerentemente favorece o on-line e desfavorece o offline. Porque se você está assistindo TV pode gravar o programa.
O sistema tradicional de TV mede apenas o que chamamos de C+3: até três dias depois da transmissão. Eu posso guardar um programa por uma semana. Então nós, GroupM, que é uma operação de compra de mídia, queremos C+7. Sabemos também que há robôs vendo os anúncios. O “Financial Times” fez uma pesquisa e mostrou que o Google subestimou os robôs.
O sr. tem pedido mais regulação. Quem deveria regular?
No fim das contas, é regulação em certo sentido, mas quem tem que melhorar é o sistema de medição. Não é a regulação que vai resolver isso, é a medição. Você tem que agregar as medições on-line e offline.
Como fazê-lo?
Com dificuldade. Porque Google e Facebook têm um duopólio. Mary Meeker mostrou que eles dominam 75% da publicidade digital [nos EUA], caudas longa e curta –nós estamos na curta, somos os grandes investidores, não somos pequenas empresas que procuram anunciar pela primeira vez. Eles controlam a informação. E o que tem que ser feito? É preciso monitorar os dados muito mais efetivamente. É preciso encontrar um equilíbrio entre tempo gasto, por um lado, e engajamento, por outro.
Que tipo de pesquisa poderia ser feita?
É medição de audiência, com o medidor correto se você estiver na frente de uma TV. O Ibope faz isso em tempo real. Se você está vendo uma novela pode ver a audiência subindo e caindo.
Mas é muito mais difícil para um jornal.
Mas não é impossível. É que os jornais não estão preparados. Dou um exemplo do Reino Unido no ano passado. Nós não fazemos pesquisa de leitura. Nunca fizemos, quem faz é a Ipsos. Houve uma oportunidade que discutia medição on-line. O custo e a disrupção eram tão grandes que eles disseram: não queremos. Nossa participação de mercado no mundo é de 25% a um terço do mercado. No Reino Unido, somos 40%. Então os jornais nos procuraram e disseram: vocês podem nos ajudar com essa questão do valor? A questão do valor importa porque os valores estão caindo. Eu disse: por que vocês não mudam o sistema de medição?
E o que eles disseram?
Custa muito, é muito disruptivo. E a resposta é: enquanto você não trocar o sistema de medição, não vai conseguir respostas melhores. Google e Facebook não vão mudar suas métricas. E eles têm o controle. É como um jogo de futebol, você tem o juiz e o jogador, numa pessoa só. Isso não pode acontecer. É preciso ter um sistema de medição melhor.
Quem deveria ser o juiz?
Bem, nós medimos em 52 países. Algumas pessoas podem dizer: eles são as agências de publicidade e estão medindo seu próprio produto. Mas nós mantemos isso separado.
A indústria da publicidade deveria fazê-lo?
Não é uma questão da indústria da publicidade, alguém deveria fazê-lo. O ponto principal do argumento é medir. Quando você olha para o negócio, há três coisas principais que estamos fazendo: tecnologia, com nossa plataforma programática Xaxis…
O programático [publicidade que utiliza robôs para comprar espaços de anúncios] só vai crescer?
Nosso investimento no ano passado em todo o mundo foi de US$ 73 bilhões. O programático foi de US$ 1 bilhão. Ainda é muito pequeno, mas está crescendo rapidamente. Nosso programático compete contra o Facebook/Atlas e o Google/Doubleclick.
E então há os dados (Comscore) e o conteúdo –nós investimos na “Vice”, na Fullscreen, que tem 102 canais de YouTube, e na Media Rights Capital, que produz “House of Cards”.
Martin Sorrell fundador do WPP Group
O modelo de agência costumava se basear apenas na criatividade no sentido [da série] “Mad Men”. Fui entrevistado por uma jornalista que me perguntou: no longo prazo, as agências de publicidade vão morrer? Eu disse: se você pensar no negócio da maneira como você está pensando, como Don Draper [personagem de “Mad Men”], a resposta é sim. Mas pense em tudo o que fazemos. Nosso faturamento é de cerca de US$ 20 bilhões. US$ 16 bilhões dos US$ 20 bilhões são coisas que Don Draper não compreenderia. O negócio mudou. E os três componentes são: tecnologia, dados e conteúdo.
Como a tecnologia afeta a criatividade?
Esse é o tipo de coisa que você está sempre ouvindo, Nizan Guanaes [publicitário], um anúncio de 30 segundos é a resposta para todos os problemas…
Você tem uma dor de cabeça? Te dou um anúncio de 30 segundos de TV. E isso não é a resposta. A resposta é uma estratégia integrada. O digital representa 40% do nosso negócio, e está se tornando mais e mais importante, então você tem que integrá-lo. Não é isso ou aquilo, são os dois juntos, é muito importante. O negócio mudou totalmente.
Uma coisa que é interessante no Brasil é o domínio contínuo da televisão, da Globo. Como no México com a Televisa.
Por que isso nesses países?
É a estrutura do mercado. É interessante que em mercado de grande penetração da TV, como Brasil, México, Itália, Índia e China, o crescimento dos vídeos on-line é enorme. O Google está indo muito bem aqui, e a razão para isso, na minha visão, tem a ver com busca mobile mas também com vídeo mobile. Nos países de alta penetração da TV as pessoas se sentem confortáveis com as telas.
Na Eurocopa algumas semanas atrás eu vi um jogo todo na BBC. A BBC transmite com um delay de 30 segundos. É interessante, estávamos nas corridas de cavalo, sentados, assistindo, e a Inglaterra perdia por 1 a 0 para o País de Gales, quando ouvimos uma grande comemoração, e estamos sentados olhando o 0-1 e 30 segundos depois… Ah, a Inglaterra marcou.
Quão diferente será a publicidade em dez anos?
Se eu soubesse a resposta eu não estaria aqui sentado falando com você, eu estaria na praia de Copacabana [a entrevista foi feita diante da praia]. Em dez anos vamos ter mudanças gigantes. Em cinco anos o digital vai ser metade do nosso negócio. Neste momento é 37,5%. A onda era pelos Brics e pelo Next 11, e nós éramos parte dessa onda porque trabalhamos com Jim O’Neill da Goldman Sachs no conceito todo.
A Ogilvy acaba de sair com novo conceito, não são só os Brics e o Next 11. Nos Brics, o Brasil tem problema, a Rússia tem problemas ainda maiores, a China tem problemas, a Índia é o único com crescimento forte. Na minha opinião, o Brexit, se é que ele vai acontecer, significa que os Brics e os Next 11 na Ásia, na América Latina, na África, no Oriente Médio e na Europa Central vão se tornar mais importantes para o comércio britânico.
O próximo bilhão de consumidores não virá dos EUA, do Reino Unido, da Alemanha, da Itália, da Espanha, virá daqui, da América Latina, da Ásia, do Leste Europeu, incluindo a Rússia, da África e do Oriente Médio. Não virá de nenhum outro lugar.
Voltando à questão jornalística. O sr. pensa que o jornalismo faz um bom trabalho em mostrar para a sociedade o valor do trabalho que fazemos?
Não, faz muito mal. Terrivelmente mal. Isso volta ao ponto da medição que eu mencionei. É absolutamente chave investir em ter a medição correta. A Nielsen não está medindo a mídia tradicional nos EUA porque não mede fora das residências, porque não pega C+7, porque não pega as pessoas assistindo em bares e aeroportos, as lojas…Mudar o sistema é absolutamente fundamental. Os jornais são muito competitivos.
A analogia seria que colocássemos juntos Omnicom, Publicis, IPG, Havas e Dentsu para fazerem uma campanha conjunta para estimular a publicidade. A resposta é não, somos muito competitivos. Fizemos isso em Cannes, levei o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, ao palco, mas foi a única vez em que nos unimos. As pessoas da imprensa jamais fariam isso. Isso é parte do problema. Estão começando agora a fazer isso, nos EUA e no Reino Unido. Porque as coisas estão terríveis. É como a Fifa: quando as coisas ficam muito terríveis você é forçado a fazê-lo. Então, os jornais não fazem o serviço.
Nem mesmo aos olhos do mercado publicitário?
Não. É um bom ponto. Google, Facebook, Snapchat, Twitter, LinkedIn… Fazemos planos anuais. Sentamos com o Google no começo do ano e dizemos: isso é o que nós fizemos no ano passado. Nós os tratamos como um negócio. E eles nos tratam como um negócio. Nós nunca fazemos isso com a mídia tradicional.
Por que isso?
Por ser o incumbente. Se você está numa posição estabelecida, você nunca pensa em mudar. Nunca pensa nas ameaças porque você teve uma posição privilegiada. Tivemos um evento hoje –a Coca-Cola, a Visa e nós–, todos negócios tradicionais que estão tentando mudar, assim como vocês. Se você tem um negócio tradicional, seus chefes, nossos acionistas, esperam que cresçamos todo trimestre, todo ano.
E você tem essa grande mudança que acontece, e é como trocar os motores do avião enquanto você está voando. Por outro lado o disruptor não tem esse problema. Não tem um negócio velho para se preocupar. A empresa de capital de risco ou o fundo de ações a avalia por um critério diferente, não tanto por lucros, fluxo de caixa e margens, talvez nem mesmo por crescimento do faturamento. Talvez pelo que eles pensem que seja tração com os consumidores.
Engajamento, você diz?
Sim, mas essa não é a métrica tradicional. Deixe-me lhe dar um exemplo. A Unilever é nosso segundo maior cliente. Comprou o Dollar Shave Club [empresa do mercado de aparelho de barbear] por US$ 1 bilhão, sem lucro, faturamento de US$ 250-300 milhões, 300 milhões de assinantes. São critérios diferentes.
Você tem um jornal. Você tem um departamento editorial. Você tem todos esses jornalistas. Você tem que pagar as contas deles, certo? Eles podem ser jornalistas brilhantes. E você tem todas essas pessoas dando jornais de graça. Muitos dos jornalistas que foram mandados embora de seus trabalhos foram trabalhar com on-line. Você se lembra que havia uma empresa na Coreia do Sul chamada Oh! Media. Começaram cinco ou seis anos atrás com jornalistas que haviam sido mandados embora e em um ano eles deram as três grandes histórias do ano na Coreia do Sul. Então existem modelos alternativos.
Como se mede o impacto do jornalismo? Como se diz para o público: isso é um furo político e isso é apenas um post de alguém?
É diferente. Mas veja o noticiário nos EUA com Donald Trump e Hillary Clinton. Seja lá o que você pensar sobre Trump, e eu tenho reservas sobre suas opiniões, veja os números. No discurso em que aceitou a nomeação, ele teve mais audiência do que ela. A média para a convenção democrata foi maior, mas no discurso ele foi melhor. Por quê? Porque ele produz notícia. Ele gera audiência.
Eu assisto Squawk Box [programa da CNBC], em Londres, quando eu acordo pela manhã. Eu lembro que eles deixaram Donald Trump por 30 minutos, às 7h15, que é um horário nobre para os negócios, e ele não estava nem no estúdio. Ele podia estar na cama, de pijama. Isso mostra que impacto é muito importante. Muito.
Qual o futuro do impresso, na sua opinião?
Creio que os jornais estão sendo desafiados. Isso não significa que eu pense que eles vão morrer, mas vão cair gradualmente. Revistas penso que são diferentes. Porque há alguma evidência de que revistas têm mais atração para mulheres, particularmente, mas também para homens. Jornais digitais e revistas digitais são diferentes. A circulação está estabilizada ou crescendo.
Você viu que o “The Independent” no Reino Unido parou com o impresso e foi para o on-line? Você vai ver menos jornais, vai ver consolidações, e no Reino Unidos alguns jornais impressos vão desaparecer.
Você sabe que em português não temos a palavra “papel” na tradução de “newspaper”?
Como é?
“Jornal”. É um conjunto de notícias de um período de tempo anterior.
Jornais on-line ficarão mais importantes. Os impressos serão consolidados em um número menor de jornais. Se você olha para o mercado britânico, há dois grandes títulos de tablóides: “The Sun” e “The Mirror”. Não há espaço para dois. Creio que o mais fraco é provavelmente o “The Mirror”, que está mais isolado, e o “The Sun” é parte da NewsCorp de Rupert Murdoch, que é um guarda-chuva, e ele ama jornais. Porque outra vantagem de Murdoch é que ele controla a empresa. Sua família. E empresas que são controladas se saem melhor.
O sr. acha que empresas familiares são boas para o jornalismo?
Familiares ou controladas. Se eu olho para o panorama da mídia, vejo como empresas mais fortes: Comcast, da família Roberts, e NewsCorp e Fox, da família Murdoch. Porque eles são as pessoas que vão estar lá em cinco ou dez anos para ver o que acontece. Nas outras empresas, os presidentes-executivos terão se aposentado.
A outra vantagem deles é que têm o controle. Se cometem um erro, sabem que não serão chutados. Porque a vida média de um presidente-executivo nos EUA e no Reino Unido é de seis ou sete anos. São como presidentes ou primeiros-ministros, tendem a pensar no curto prazo.
Voltando à publicidade, a questões mais específicas, há muito questionamento aqui no Brasil, e imagino que no restante do mundo, sobre a exploração de mulheres em certo tipo de publicidade, como de cerveja. Qual sua opinião sobre esse tipo de crítica?
Qual é a minha visão? Isso muda de país para país e de região para região. Digo, o que é aceitável no Oriente Médio. Por exemplo, uma das histórias mais interessantes foi o de uma estrela pornô. Ela visitou o Irã com um visto de turista e um nome diferente e fez uma operação plástica no nariz. Ela deixou o Irã e escreveu no Twitter que havia ido ao Irã por causa da operação. E a história foi retirada do Twitter. É um exemplo de diferença.
De um ponto de vista pessoal, se eu fosse uma mulher, eu provavelmente teria objeções a isso. Por exemplo, o trabalho que fazemos com a Unilever para a Dove. A campanha da beleza natural é um bom exemplo do que é o conceito de beleza. Isso é condicionado. Você vê modelos que são muito magras, que não comem direito e que ficam ainda mais magras. A campanha da Dove é sobre beleza interior. E todo mundo é bonito.
Creio que a resposta tem dois pontos. Um é que os conceitos variam, e portanto você tem que entender as diferenças. O segundo é que, se você olhar de maneira generalizada, as mulheres não são retratadas nos anúncios de maneira autêntica. Na verdade autenticidade é algo importante. Trump vai bem porque dá a impressão de ser autêntico. Não creio que ele seja autêntico, mas ele passa a impressão de ser autêntico.
Sobre a questão do sexismo na publicidade eu tendo a achar que foi longe demais, mas você tem que entender que existem diferenças. Da mesma forma que se você olhar para diversidade de gênero, que é o outro lado dessa discussão, é algo muito controverso na nossa indústria. Esse conceito está mudando também. O mundo pode ser tocado por elas –Angela Merkel [chanceler alemã], Theresa May [primeira-ministra britânica] e agora Hillary Clinton [candidata à presidência dos EUA].
E em relação às crianças? A tecnologia tornou inútil grande parte da regulação que foi criada para protegê-las da publicidade.
Elas querem ser protegidas de seus pais. Gostam do Snapchat porque ele desaparece instantaneamente, então a mãe e o pai não sabem sobre o que estão falando com seus amigos. Claramente há mais regulação. E isso é sobre saúde, alimentação. Existe uma grande questão sobre pornografia, jogos e acessos –uma criança de dois ou três anos pode provocar uma conta muito alta por ficar on-line.
Toda a área de regulação, com o crescimento do comércio on-line, está ficando mais e mais importante e difícil. De certa forma elas são mais sofisticadas do que adultos. E temos que ver como isso se desenvolve porque estamos no começo. A classe que está se formando nas universidades americanas é a primeira geração –você se forma com 21, 22 anos– que viveu toda sua vida com internet. Ainda não vimos as implicações da mudança geracional. Por um lado as pessoas terão que ter mais controle sobre as crianças, por outro elas são muito mais sofisticadas do que cremos que são.
Qual o impacto disso para a indústria da publicidade?
Creio que o consumidor está ficando muito mais sofisticado. David Ogilvy [publicitário], muitos anos atrás, disse: “O consumidor não é um imbecil, ele é sua mulher”. Isso não é politicamente correto, você poderia dizer: “O consumidor não é um imbecil, ele é seu companheiro”. Creio que você tem que pensar nisso por esse aspecto. Você tem que creditar muito mais inteligência aos jovens homens e mulheres do que creditava antes. São muito mais sofisticados.
É extraordinário quando se pensa nisso. Estava refletindo sobre isso ontem à noite, pensei: “se fosse 20 anos atrás, para encontrar o que eu estava procurando para [a apresentação de] hoje, eu teria que ficar uma semana numa biblioteca. Eu teria que acordar cedo, ir à livraria, o livro poderia não estar lá. Isso é incrível. A produtividade aumentou fenomenalmente.
Qual a imagem do Brasil agora?
Nós fizemos um índice de competitividade. O Brasil é a definição de beleza, aventura e cultura, e não está à frente quando se fala em negócios e qualidade de vida. Fizemos em 60 países. O Brasil aparece em 20º. Há muito a fazer. Existe um potencial totalmente inexplorado.
O sr. se encontrou com Kim Kardashian em Cannes no ano passado.
Ela me encontrou, você diz.
Sim.
Foi a única vez que cheguei a 100 mil visualizações no YouTube.
O sr. acredita que ela é o exemplo acabado de como produzir uma imagem?
A mãe dela é uma força da natureza. A mãe dela é incrível com publicidade. Porque sua mãe pensa em cada filha e nela própria como marcas diferentes. A Kim é a mais popular, A Kendall é a premium, e existem uma terceira e uma quarta. Talvez não agrade ao gosto de todo mundo, mas é muito poderosa. Não deve ser subestimada. Estou querendo apostar com você que Kanye West vai concorrer a presidente [dos EUA] em 2020. Lembre-se do MTV Awards, ele disse que iria concorrer à Presidência.
Como o sr. consome mídia?
Eu costumava ler muito mais do que agora. Quando estava em Londres, costumava ler “Financial Times”, “The Times”, “The Telegraph”, “The Economist”, “Investor’s Chronicle”, religiosamente, eu digo, página por página, capa por capa. E em Nova York seriam “The New York Times”, “The Wall Street Journal”…
Costumava ser no impresso. Hoje é on-line, muito raro que seja fisicamente. E leio menos agora. Consumo mais vídeo. É interessante que consumo mais TV. Em Londres, quando acordo pela manhã, sempre assisto Squawk Box, CNBC, a TV de negócios, então quando estou me barbeando, escuto o som. E quando vou para a cama à noite eu vejo o noticiário às 22h. Se eu tenho jantar ou qualquer coisa eu vou para casa às 21h30, vejo o noticiário às 22h, Newsnight às 22h30, e nos EUA eu usualmente assisto CNN e CNBC, talvez um pouco da Fox, e então eu vejo Charlie Rose, as entrevistas na PBS.
Então eu diria que a maior diferença, eu consumo muito mais dessas coisas, mas não leio tanto quanto costumava. Eu assisto mais. Eu era mais parecido com Warren Buffet, de ler tudo. Uma das coisas de que não gosto no on-line é a sensação de que você está perdendo algo. Com o jornal, você começava na capa e ia até o fim, você sabia. Mas com essa coisa é muito difícil saber quando você chegou ao final.
Por Roberto Dias da Folha de São Paulo