China lança satélite de comunicação quântica
Um foguete que cortou o céu no deserto de Gobi nas primeiras horas de hoje deverá colocar a China na vanguarda de um dos campos mais desafiadores da ciência. E deve deixar o país bem à frente dos rivais globais no esforço para adquirir um ativo muito cobiçado na era da espionagem cibernética: comunicações à prova de violações.
A imprensa estatal chinesa disse que o primeiro satélite de comunicações quânticas foi colocado com sucesso em órbita, à 1h40 desta terça-feira (horário local). O projeto vem sendo tocado há cinco anos e é observado atentamente pela comunidade científica global e por especialistas em segurança.
O programa quântico é a parte mais recente de uma estratégia de muitos bilhões de dólares da China, ao longo das duas últimas décadas, para se equiparar ou mesmo superar o Ocidente em pesquisa de “ciência pura”. “Está havendo uma corrida para produzir um satélite quântico e é muito provável que a China vencerá essa corrida”, diz Nicolas Gisin, professor e físico quântico da Universidade de Genebra. “Isso mostra mais uma vez a capacidade da China de se empenhar em projetos grandes e ambiciosos e de concretizá-los.”
Cientistas de EUA, Europa, Japão e outros países estão se apressando para explorar as propriedades estranhas e potencialmente poderosas das partículas subatômicas, mas poucos têm o apoio estatal que a China dá aos seus cientistas, afirmam pesquisadores. A tecnologia quântica é um tópico extremamente estratégico dentro do plano de desenvolvimento econômico quinquenal da China, divulgado em março.
Pequim não revela quanto dinheiro está gastando com pesquisas quânticas nem com a construção do satélite de 635 kg. Mas os recursos para pesquisas básicas, que incluem física quântica, foram de US$ 101 bilhões em 2015, em comparação a US$ 1,9 bilhão em 2005.
Os recursos federais dos EUA para pesquisa quântica somam cerca de US$ 200 milhões anuais, segundo um relatório divulgado por autoridades do Congresso americano. O estudo diz que o desenvolvimento da ciência quântica vai “fortalecer a segurança nacional dos EUA”, mas que as flutuações dos recursos estão afetando os avanços.
Enquanto isso, Pequim vem tentando atrair especialistas chineses que estudaram física quântica no exterior de volta para o país. Entre eles está Pan Jianwei, o físico que está liderando o projeto. “Nós pegamos todas as boas tecnologias de laboratórios de todas as partes do mundo, as absorvemos e as trouxemos para a China”, disse Pan à TV estatal chinesa.
Com o apoio do Estado, Pan conseguiu sair na frente de seu orientador de doutorado, o físico Anton Zeilinger, da Universidade de Viena, que disse que desde 2001 vem tentando convencer a Agência Espacial Europeia a lançar um satélite parecido. “É um processo difícil, que leva muito tempo”, disse Zeilinger, que agora está trabalhando no satélite de seu ex-aluno.
Tanto Pan como a Academia Chinesa de Ciências, que dirige o projeto, não responderam a pedidos de comentário. A Agência Espacial Europeia e a Fundação Nacional de Ciência dos EUA, que provê financiamento federal para pesquisa básica, também não responderam a pedidos de entrevista.
O investimento da China nesse campo provavelmente está sendo motivado em parte por medo das capacidades cibernéticas americanas, disse John Costello, membro do think-tank New America, em Washington, especializado em China e cibersegurança.
Ele citou revelações, em 2013, de que os EUA tinham penetrado profundamente nas redes chinesas. E comentou que as instituições americanas estão pesquisando como construir computadores quânticos poderosos e teoricamente capazes de decifrar criptografia baseada em matemática agora usada em todo o mundo para comunicações seguras. “O governo chinês tem consciência de que está ficando particularmente vulnerável à espionagem eletrônica”, afirmou.
Mas a comunicação quântica é de natureza defensiva, observou Costello, e não se beneficiaria do que os EUA identificaram como programa de pirataria patrocinada pelo Estado chinês.
A criptografia quântica é segura contra qualquer tipo de poder computacional, pois a informação codificada numa partícula quântica é destruída assim que é medida. Gregoir Ribordy, co-fundador ID Quantique, empresa de criptografia quântica com sede em Genebra, comparou-a a enviar uma mensagem escrita numa bolha de sabão. “Se alguém tentar interceptá-la, ao tocá-la a fará estourar”, disse.
Os físicos quânticos conseguiram avançar, recentemente, no uso de fótons para comunicação segura em curtas distâncias na Terra. O satélite, se tiver êxito, expandiria enormemente a gama de comunicações à prova de hackers.
Para testar se a comunicação quântica pode ocorrer em escala mundial, disse Pan, ele e sua equipe tentarão emitir um feixe contendo uma chave criptográfica quântica pelo espaço, de Pequim para Viena. “Será algo monumental” se o teste tiver êxito, disse Ma Xiaosong, físico quântico formado em Viena e hoje na Universidade de Nanjing, que trabalhou em fases iniciais do projeto do satélite.
A criptografia quântica não é absolutamente impenetrável. É possível que hackers enganem um destinatário incauto focando um laser intenso num receptor quântico, disse Alexander Ling, pesquisador do Centro de Tecnologias Quânticas, em Cingapura.
Especialistas americanos de segurança questionam ainda se aspectos complexos da comunicação quântica podem ser suficientemente simplificados para ela seu suada numa situação de conflito.
Sejam quais forem as dificuldades, disse Zeilinger, da Universidade de Viena, o satélite coloca a China e o campo da mecânica quântica à beira de um avanço tecnológico significativo. “No longo prazo, há uma boa chance de que isso substituirá nossa tecnologia de comunicações atual”, disse.
Em entrevista à revista “Nature”, em janeiro, Pan disse que o satélite mostra que a ciência chinesa parou de seguir os passos de outros países. Para marcar claramente sua posição, a mídia estatal chinesa disse ontem que o satélite foi batizado de Micius, em referência a um filósofo que viveu no século 5 a.C. e que se opunha a guerras ofensivas.
Valor Econômico-Internacional
Por Josh Chin | Dow Jones Newswires, de Pequim