E agora rádio?
O Brasil vive um período de crise política e econômica, e isso não é novidade para nenhum de nós brasileiros. Mas rádio no Brasil nem percebe a crise atual. Porquê? Resposta simples: porque o rádio brasileiro vive uma crise tão grande há anos, e já está tão acostumado à falta de investimentos e de crescimento, que nem sente a atual situação caótica que o país vive.
Em meados dos anos 2000, surge a solução para o meio: o rádio digital. Todavia, somente o sistema HD Radio, norte-americano, propriedade de uma empresa privada daquele país, se apresenta para ser adotado no país. O governo da época decide não entregar o rádio brasileiro aos empresários americanos, e veta o HD Radio.
Em 2012, com o setor se esvaziando, devido em grande parte à migração de investimentos publicitários para a internet, o Ministério das Comunicações abre um chamamento público para que sistemas de rádio digital se candidatem para serem adotados no Brasil. Desta vez, além dos Yankees, apresenta-se o Digital Radio Mondiale, um sistema aberto, promovido por um consórcio sem fins lucrativos que é sustentado por organizações que acreditam na norma e no rádio livre. Testes são feitos com os dois sistemas. Cria-se um conselho no Ministério para realizar uma avaliação técnica, tecnológica e como modelo de negócios. Fica complicado. Os sistemas são muito diferentes: O DRM é mais moderno e ocupa metade do espectro, mas o HD já está implantado nos EUA e possui receptores no mercado; o DRM é um sistema aberto e seu desenvolvimento precisa da indústria nacional, já o HD traz tudo pronto de fora; o DRM dependeria de um investimento do setor no Brasil, já o HD oferece tudo, é só pagar. Nada foi resolvido.
Em 2013 apresenta-se uma nova solução para o rádio: migrar as emissoras AM para FM. Ué? A crise no rádio era culpa do AM? Então, empurrar as emissoras de AM para o mercado já saturado do FM e salvar financeiramente os proprietários de emissoras AM estará revitalizando o rádio no Brasil? Mas não tem espaço no espectro? Será aberto espaço no espectro do FM com a digitalização da TV, foi a resposta dos defensores do processo. E quanto custará isso ao dono da AM que passará a ser dono de FM? Nova resposta pronta: barato! Em novembro de 2013 a presidente Dilma assina o decreto da migração com um discurso que pode ser classificado como no mínimo contraditório, pra não dizer esquizofrênico, quando declarou seu “amor pelo rádio AM, que ouvia em seus dias como presa política à época da ditadura”. E disse que: “agora estamos aqui para salvar o rádio AM” enquanto assinava um decreto matando o rádio AM. Se ela fosse médica, estaria matando o paciente para salvá-lo de sua terrível dor.
Venhamos para o final 2015. O rádio digital foi abandonado e a migração não deu certo até agora. Ambos os processos dependem do governo, e os sucessivos ministros e gestores seguem com a política de: a melhor opção é não decidir. Assumir uma posição dá trabalho e pode comprometê-los, independentemente da situação do radiodifusor: endividado, demitindo e operando no vermelho. E também há coisas mais importantes do que o rádio, como telefonia, internet e televisão.
A ABERT, maior associação de emissoras comerciais do país que, ao contrário do governo, assume posições e as defende, em seu congresso no mês passado mostrou-se desesperada pela estagnação do processo de migração, mas se contradisse quando pediu o adiamento do desligamento da TV analógica, o que atrasa ainda mais a migração. Declarou ainda que o rádio digital é passado, e que o futuro do rádio são os apps para rádio no celular (o que chamou de “rádio digital” em diversos momentos durante o evento).
Quanto à migração, não sei o que vai acontecer. Como pesquisador estou preocupado e assistindo. Tenho pena dos radiodifusores em AM que acreditaram nessa migração, pois eles estão desesperados, e também assistindo. E se depender dos governos (pois temos mudado de ministro frequentemente), a tendência é adiar decisões e nada acontecer.
Já no restante do mundo o rádio digital cresce exponencialmente em AM, abaixo do 30 MHz (DRM30). A possibilidade de entregar boa qualidade sonora e conteúdo multimídia para longas distâncias vem se mostrando útil em diversos países com grandes extensões territoriais, e em transmissões internacionais, muito importantes em um mundo globalizado. Os conflitos na África provocaram o investimento em transmissões digitais em ondas curtas de emissoras públicas europeias voltadas para aquele continente, onde organizações comunitárias se organizam para a distribuição de receptores digitais DRM para os refugiados. É a concretização da essência desta nova mídia: a grande área de cobertura com qualidade e robustez.
No Brasil, o único movimento que se vê é o da EBC – Empresa Brasil de Comunicação, que tenta, há 1 ano, colocar um sinal digital contínuo e robusto em OC na Rádio Nacional da Amazônia. Mas a falta de equipamentos e recursos financeiros mantém a iniciativa sem sucesso.
E agora rádio? Será que o novo ministro das comunicações fará alguma coisa? Como vamos sobreviver? Vamos virar apps de celular e sermos ouvidos somente onde há internet banda larga? E o ouvinte do interior? E agora?